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Breves comentários sobre as mudanças na lei da Adaps


Por Valéria Alpino Bigonha Salgado.


A Lei n. 14.621, de 2023, reformou o Programa Mais Médicos, instituído pela Lei n. 12.871, de 2013, como uma estratégia do Governo Federal para fortalecer a prestação de serviços de atenção básica em saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), voltado, especialmente para as regiões com vazios assistenciais, assim consideradas as localidades que não conseguiam prover e fixar médicos e outros profissionais de saúde na atenção básica.


Em 2019, o Governo Federal instituiu outro programa similar, denominado Médicos pelo Brasil, por meio da Lei n. 13.958, de 2019, deixando o Mais Médicos extinguir-se por inanição. Essa lei autorizou, ainda, o Poder Executivo Federal a instituir serviço social autônomo para apoiar o Ministério da Saúde na implementação do Programa Médicos pelo Brasil, denominada Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) - medida que foi efetivada pelo Decreto Federal n.10.283, de março de 2020.


Em 2023, junto à estratégia de revitalização do Programa Mais Médicos, com atualização de seus marcos legais, a Lei n. 14.621 introduziu mudanças pontuais no estatuto da Adaps as quais, no entanto, se restringiram à alteração na denominação da Entidade para Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AgSUS), além das seguintes modificações no estatuto social básico da Entidade:


a) acréscimo, à sua finalidade institucional, da promoção de políticas de desenvolvimento da atenção à saúde indígena, nos diferentes níveis e em âmbito nacional; além das políticas de atenção primária (art. 6º);


b) nova redação dada à sua competência relacionada à promoção do desenvolvimento e da incorporação de tecnologias assistenciais e de gestão na atenção primária à saúde, com acréscimo da produção de informações relacionadas ao dimensionamento e ao provimento de trabalhadores da saúde (inciso VII do art. 7º);


c) alteração na forma de designação da Diretoria Executiva da entidade, cujos membros passam a ser todos designados pelo Presidente da República, passíveis de serem exonerados ad nutum ou por proposta do Conselho Deliberativo, aprovada por maioria absoluta de seus membros (art. 11);


d) extensão da possibilidade de serem cedidos à AgSUS servidores não apenas do Ministério da Saúde, conforme anteriormente previsto no Diploma Legal, mas também de qualquer órgão da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, com ônus para o cessionário, limitada aos casos de exercício de cargo de direção ou de gerência com graduação mínima equivalente ao nível 13 (treze) dos Cargos Comissionados Executivos (CCE) ou das Funções Comissionadas Executivas (FCE) (art. 31);


e) previsão de que a cessão poderá ser realizada ainda que haja disposição em contrário em lei especial (§ 1º do art. 31); e


f) a possibilidade de o servidor cedido optar pela remuneração de seu cargo efetivo, além de outras alterações relacionadas a direitos e vantagens dos servidores cedidos à Agência.


Verifica-se, nas alterações promovidas pela Lei n. 14.621, de 2023 no estatuto da Adaps, agora AgSUS, que apesar da mudança na denominação da Entidade (retirando dessa a referência à atenção primária) e das pequenas inserções em suas competências institucionais, sua natureza jurídica e finalidade precípua não foram alteradas, permanecendo como uma instituição privada, com relacionamento paraestatal com o Poder Executivo Federal, direcionada à promoção da execução de políticas de desenvolvimento da atenção primária à saúde, acrescida da ênfase na saúde indígena; permanecendo, ainda, a sua ênfase especial na execução de atividades no âmbito do Programa Médicos pelo Brasil.


Conforme explicitado no seu site oficial, na internet, a Adaps, nova AgSUS, é um serviço social autônomo, instituído diretamente pelo Poder Executivo Federal na forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, de interesse coletivo e utilidade pública – portanto, não integrante da Administração Pública Indireta. Como tal, não tem competência para executar políticas públicas, mas apenas prestar apoio ao Poder Executivo na implementação de programa, projetos ou ações coordenados e supervisionados pelo Governo. Segundo informa o site oficial da Entidade, na internet :


Tem a “missão de incrementar o acesso a serviços e soluções da Atenção Primária à Saúde (APS) para os cidadãos brasileiros. Atua como executora de políticas públicas na área, com ênfase no Programa Médicos pelo Brasil, sob orientação técnica e supervisão do Ministério da Saúde.

O foco do programa é a provisão de médicos em locais de difícil acesso ou de alta vulnerabilidade sanitária, fomentando a especialização de profissionais em Medicina de Família e Comunidade no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Para o primeiro ano de atuação da Agência, estima-se a contratação de até 5 mil médicos. (ADAPS2 s/d)


Destaque-se que o art. 23 da Lei n. 13.958, de 2019 - que não foi alterado pela Lei n. 14.521, de 2023 - estabeleceu que a Agência deve realizar a contratação de profissionais médicos, sob o regime celetista, por meio de processo seletivo, “para incrementar a atenção primária à saúde em locais de difícil provimento ou alta vulnerabilidade”; conduzindo ao entendimento de que a Entidade não é, de fato, prestadora de serviços de atenção básica, propriamente ditos, conforme previsto no rol de suas competências, mas sim uma intermediadora de mão-de-obra para as secretarias de estado e municipais de saúde; responsáveis pela prestação de serviços de atenção básica no âmbito do SUS (SALGADO 2019).


Sob essa ótica, a medida configurou-se uma legalização da terceirização de pessoal dentro administração pública direta - em desrespeito à Constituição Federal – terceirização que vem sendo combatida pelos Tribunais de Contas e Ministérios Públicos .


Tem-se assim, que a reforma promovida pela Lei n. 14.621, de 2023, não tendeu a promover a integração da AgSUS dentro das novas estratégias governamentais para o desenvolvimento das políticas de atenção básica no âmbito do SUS, nem tampouco reorganizar o estatuto da Agência com vistas a sanar os vícios de origem, presentes na lei que autorizou sua criação, tanto no que se refere à assunção de funções eminentemente públicas, como a execução de programa federal ( e não o apoio à excução), quanto na sua constituição estatutária, onde o Poder Público tem a maioria de representação no seu Conselho Deliberativo, e diretoria designada pelo Presidente da República - características própriae das entidades públicas da Administração Indireta.


As motivações do Governo Federal com a reforma da Adaps para AgSUS permanecem sem esclarecimento, visto que a EMI n. 00011/2023 MS/MEC/MF, de 20 de março de 2023, que acompanhou a MP n. 1.165, de 2023, convertida na Lei n. 14.621, de 2023, não contemplou informações elucidativas acerca das intenções do Governo com o futuro da Entidade.


Vê-se, por conseguinte, que as alterações legais promovidas no estatuto da AgSUS não afetaram a sua relação com o Programa Médicos pelo Brasil, não estenderam sua atuação para o âmbito do Projeto Mais Médicos pelo Brasil, reformado pela Lei n.14.621, de 2023, como também não esclareceram sobre o seu futuro institucional, ante a intenção manifestada pelo Governo Federal, de substituição gradativa do MpB pelo Programa Mais Médicos.

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